Julia
Como Combater a Intolerância e o Preconceito na Internet
Atualizado: 28 de dez. de 2019
Ninguém pode negar que o advento da Internet trouxe muitos benefícios à nossa sociedade, tanto no âmbito pessoal como no âmbito profissional. Graças a ela, podemos falar com nossos amigos, fazer compras online, traçar o caminho exato até um determinado local e nos candidatar a empregos com uma facilidade nunca antes vista. O acesso à informação tornou-se algo comum em quase todas as partes do mundo, condição que contribui extensamente para uma população mais consciente e mais integrada como um todo. Além de tudo, a Internet também criou um espaço de fala para pessoas de todas as etnias, credos e camadas populacionais. Finalmente as minorias estão ganhando visibilidade e, conseqüentemente, ajudando a criar uma sociedade mais tolerante e mais bem-informada. No entanto, essa nova realidade também sofre retaliação daqueles que desejam manter tudo “como sempre foi”. Afinal de contas, qualquer mudança social conta com a resistência de uma parcela da comunidade.

O discurso de ódio encontrou um novo ambiente para se expressar livremente, protegido pelo anonimato e pelo sentimento de impunidade dos internautas. De acordo com o Movimento Contra o Discurso de Ódio, esse conceito se resume a “todas as formas de expressão que propagam, incitam, promovem ou justificam o ódio racial, a xenofobia, a homofobia, o antissemitismo e outras formas de ódio baseadas na intolerância”. Trata-se, nada mais nada menos, do que uma violação de direitos humanos, a qual se enquadra na categoria de crime cibernético. A ONG SaferNet Brasil, responsável por defender e promover os direitos humanos na Internet, recebeu mais de 2 milhões de denúncias de crimes de ódio desde 2006. Ou seja, precisamos discutir esse assunto com urgência. Ainda necessitamos de políticas públicas que nos protejam de indivíduos mal-intencionados, além de garantir que as leis existentes sejam aplicadas eficazmente nos casos reportados à polícia.
De qualquer forma, o ódio e a intolerância não são sentimentos novos – eles sempre estiveram presentes na história da humanidade –, mas a Internet ajudou a favorecê-los em razão do caráter anônimo e impessoal que ela proporciona a seus internautas. O caso da influência de Hitler na população alemã durante a Segunda Guerra Mundial exemplifica muito bem a ressonância que esses sentimentos podem encontrar em boa parte dos indivíduos, como excelentemente exposto no livro A mente de Hitler, escrito por Walter C. Langer:
“(...) somos forçados a considerar Hitler não um demônio pessoal, independentemente de quão perversas suas ações e filosofias possam ser, mas a expressão de um estado de espírito existente em milhões de pessoas (...). Remover Hitler pode ser o primeiro passo necessário, mas não seria a cura. Seria análogo a remover um cancro sem tratar da doença subjacente. Se erupções semelhantes devem ser evitadas no futuro, não podemos nos contentar em apenas remover as manifestações visíveis da doença. Ao contrário, devemos pôr às claras e procurar corrigir os fatores subjacentes que produziram o fenômeno importuno.”
Ou seja, o ideal seria promover políticas públicas e estimular debates produtivos que incentivem a reflexão, a racionalidade e a tolerância. O discurso de ódio está tão disseminado, justamente porque ainda encontra repercussão em várias partes da Internet, já que podemos encontrar muitos adeptos desse tipo de ideologia. Dito isto, aqui estão algumas dicas para tentarmos, aos menos, reduzir a incidência de crimes de ódio online:
Estimular o debate produtivo

Ao escrever comentários construtivos em fóruns, redes sociais e veículos midiáticos online, ajudamos a promover o debate civilizado e respeitoso entre pessoas que dispõe de opiniões diferentes. É claro que não podemos evitar que todos deixem de expressar ideias intolerantes e preconceituosas, mas podemos influenciar a visão de alguns usuários ao mostrar um exemplo de tolerância e reflexão palpável. Além disso, as escolas deveriam ensinar os jovens a debater, pesquisar e refletir sobre questões sociais de maneira consciente e civilizada. A base desse problema se encontra principalmente na educação – indivíduos informados e politizados tendem a ser mais propensos a promover debates produtivos ao invés de simplesmente destilar ódio e ignorância.
Aprimorar a moderação das interações online
Empresas e veículos responsáveis por redes sociais e sites na Internet deveriam instalar um filtro automático para barrar determinadas palavras e expressões dos comentários, além de empregar uma equipe qualificada responsável por acompanhar as interações entre os usuários. A moderação adequada e eficiente dessas interações é essencial para termos controle sobre as demonstrações abertas de ódio e intolerância online, que só servem para ofender e para incitar outras pessoas a participarem desse fluxo de ódio.
Criar iniciativas para combater o discurso de ódio
Campanhas em prol da tolerância e do respeito à diferença deveriam ser promovidas por escolas, universidades, instituições e órgãos públicos a fim de diminuir a incidência do discurso de ódio no cotidiano. A utilização de redes sociais e de hashtags são muito úteis para divulgar ideais e atitudes que desejamos promover na sociedade como um todo. Nesse caso, podemos reverter a situação e usar o ambiente online como uma ferramenta do bem. Quanto mais pessoas e profissionais da área de educação decidirem se pronunciar publicamente sobre o assunto, mais ele se disseminará entre a população brasileira.
Instituir e reforçar leis contra crimes cibernéticos

O mundo está, finalmente, começando a se adaptar à nova realidade social e às mudanças que o ambiente virtual traz às nossas vidas em termos de legislação. Infelizmente, alguns países ainda estão bastante atrasados nesse quesito, incluindo o Brasil. Apesar de já existirem leis de proteção ao usuário, como em relação à invasão de computadores, roubo de senhas, disseminação de vírus e uso ilegal de dados de cartões de débito e crédito, o país ainda carece de regras específicas que tipifiquem o crime de ódio na Internet. A legislação brasileira considera, oficialmente, a disseminação de preconceito racial, injúria por preconceito, preconceito religioso, ameaças e difamação como crimes passíveis de pena. No caso do preconceito racial, por exemplo, a pena é de reclusão de um a três anos e multa, ao passo que a injúria por preconceito é penalizada com um cárcere de um a seis meses (ou multa). A partir disso, podemos perceber que a punição por crimes dessa categoria são bastante brandas, especialmente se considerarmos que a maioria dos réus precisam pagar somente uma multa antes de saírem livres.
A impunidade também é um dos maiores problemas do Brasil, especialmente em relação a crimes cibernéticos. Sem contar que não existem departamentos específicos responsáveis por crimes de ódio na Internet no Brasil, o que torna a responsabilidade pela averiguação dos casos relativamente difusa.
O ideal seria reforçar as leis já existentes, criando regras e penas mais severas para cada tipo específico de crime de ódio (religioso, de gênero, de orientação sexual, racial, étnico, etc.). Também deveria ser criado um departamento para lidar apenas com crimes de ódio, a fim de centralizar e oficializar o combate a esse tipo de delito. Infelizmente, ele continua não sendo levado muito a sério pelas autoridades e pela população em geral, realidade que deve começar a mudar em breve, se depender de nossos esforços.
Para resumir, as demonstrações de ódio na vida real foram transferidas para o espaço público da Internet. Trata-se de um problema típico da sociedade moderna, a qual mudou definitivamente a maneira como nos comunicamos e tomamos decisões em função do constante desenvolvimento tecnológico ao qual estamos submetidos.

No final das contas, quanto mais pessoas expuserem suas opiniões intolerantes e preconceituosas online, mais indivíduos sentirão um respaldo de grupo para fazer o mesmo e, conseqüentemente, perpetuar o ciclo de ódio na Internet. Espero que, com o tempo, tanto as plataformas sociais, como sites, fóruns, escolas e órgãos públicos possam cooperar de maneira mais eficiente para conscientizar o público em relação aos danos que esse tipo de discurso pode causar. Como devidamente elucidado por Yuval Noah Harari, autor do livro Homo Deus: “As pessoas comumente têm medo da mudança porque temem o desconhecido. Mas a única grande constante da história é que tudo muda.”
Por Julia P.D.